Lembro-me, ainda, da primeira vez que ouvi um soneto. Foi numa aula de Literatura, ainda no começo da 1ª série do Ensino Médio. A professora leu o famoso soneto de Luís Vaz de Camões que começa com o verso “Alma minha gentil, que te partiste”. Não estou certo de tê-lo compreendido a princípio, mas o que me chamou a atenção foi a elegância do estilo e o ritmo fluente. Havia algo de encantatório naquela leitura e eu fiquei com a impressão de que cada palavra ocupava um lugar preciso. Pouco depois, a mesma professora me ensinaria que aquele encantamento, aquilo que parecia mágico, podia ser obtido mediante algum cálculo e um tanto de sensibilidade: eram-me apresentados os segredos da versificação tradicional, da métrica.
Como já disse num texto anterior, para que haja ritmo, é preciso regularidade. A métrica se baseia em tal princípio. Quando escrevemos um poema metrificado procuramos que os versos tenham uma mesma duração, isto é, um mesmo número de sílabas. No caso dos versos “Alma minha gentil, que te partiste/ Tão cedo desta vida, descontente”:
1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | 11 |
Al/ | ma/ | mi/ | nha/ | gen/ | til/ | que/ | te/ | par/ | tis/ | te |
Tão/ | ce/ | do/ | des/ | ta/ | vi/ | da/ | des/ | con/ | ten/ | te |
Em língua portuguesa, contamos o verso (escandimos) até sua última sílaba tônica, no caso “partiste” e “contente”, de maneira que descartaremos as sílabas finais dos versos citados, o que resulta em dois versos de 10 sílabas poéticas, ou seja: dois versos decassílabos. Contudo, a versificação não se limita apenas a contar as sílabas das palavras; é preciso atenção à pronúncia delas, pois, em alguns casos, elas se fundem. No caso do primeiro verso da segunda estrofe do mesmo soneto: “Se lá no assento etéreo onde subiste”, se fôssemos simplesmente contar as sílabas, sem nos preocuparmos com a pronúncia, teríamos 13 sílabas: “Se/ lá/ no/ as/ sen/ to/ e/ té/ reo/ on/ de/ su/ bis” (só contamos até a última tônica, lembram-se?). Porém, pode-se perceber que há uma tendência de algumas vogais se juntarem, assim:
1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 |
Se/ | lá/ | no’a/ | sen/ | to’e/ | té/ | reo’n/ | de/ | su/ | bis |
Mas não é tudo. Algumas sílabas tônicas devem aparecer sempre na mesma posição, pois é isso o que dá cadência aos versos. No caso do soneto camoniano, toda sexta sílaba poética de cada verso é uma tônica e é isso o que chamamos de um decassílabo heroico. Acrescentando aos dois primeiros versos os seguintes (“Repousa lá no céu eternamente/ E viva eu cá na terra sempre triste”):
1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 |
Al/ | ma/ | mi/ | nha/ | gen/ | til/ | que/ | te/ | par/ | tis |
Tão/ | ce/ | do/ | des/ | ta/ | vi/ | da/ | des/ | con/ | ten |
Re/ | pou/ | sa/ | lá/ | no/ | céu/ | e/ | ter/ | na/ | men |
E/ | vi/ | v’eu/ | cá/ | na/ | ter/ | ra/ | sem/ | pre/ | tris |
Embora possa parecer que se trata de algo muito matemático e arbitrário, a verdade é que com a prática (seja da escrita, seja de leitura), o uso e a percepção da métrica vão se tornando bastante intuitivos. Ademais, o verso metrificado é apenas uma das possibilidades rítmicas da poesia.