A literatura em geral, e a poesia em específico, é uma expressão estética (isto é, artística) que se utiliza da linguagem verbal. No que consistiria, porém, a especificidade do uso estético de tal tipo de linguagem?
O linguista Roman Jakobson propõe que a linguagem verbal se configura de diferentes formas, dependendo do objetivo da comunicação; cada uma dessas formas consiste numa função da linguagem. Segundo o linguista, o que caracteriza a linguagem verbal na literatura é o predomínio da função poética.
De grosso modo, toda comunicação possui alguns elementos fundamentais: o emissor ou remetente (aquele que fala), o receptor ou destinatário (aquele a quem se dirige o ato comunicativo), a mensagem (aquilo o que é comunicado) e o código (sistema organizado de signos com base no qual a comunicação acontece; no caso da fala e da escrita, o código é a linguagem verbal). A função poética da linguagem é aquela na qual é dada ênfase à mensagem em si, à maneira como ela foi construída, a seus elementos constitutivos. Em suma, na comunicação poética, o como dizer é tão ou mais importante do que o que dizer. Um exemplo de Paulo Leminski:
amei em cheio
meio amei-o
meio não amei-o
Percebe-se que o poema gira em torno da semelhança fonética entre “amei-o” e “a meio”, sendo que o segundo verso brinca com a expressão “meio a meio”. Trata-se de um trocadilho ou, numa linguagem mais técnica, de uma paronomásia (utilização de palavras com significados diferentes que, no entanto, escrevem-se ou se pronunciam de maneira semelhante). A graça do resultado não está no conteúdo da mensagem em si (no que ela significa), mas na maneira engenhosa como o poeta organiza e relaciona as palavras.
Contudo, a função poética da linguagem não é exclusividade da literatura. Ela também pode ser facilmente encontrada no humor e na publicidade. Por exemplo, determinada revista eletrônica semanal, exibida na televisão, possui um quadro que se chama “O que vi da vida”, em que “vida” replica foneticamente “vi da”. Porém, no discurso literário — e mais fortemente na poesia —, a função poética é essencial, pois, muitas vezes, é a própria razão de ser da enunciação (como no caso do poema de Leminski), ao passo que, em outros tipos de discurso, ela se subordina a outros propósitos comunicativos.
Emmanuel Santiago