por Emmanuel Santiago
Além da exploração da polifonia e da função poética da linguagem, uma caraterística fundamental da poesia é sua formatação, a maneira como ela se organiza textualmente. A maioria das pessoas consegue identificar um texto poético por meio de uma caraterística elementar: ele é escrito em versos.
Um texto pode ser produzido em verso ou prosa. O que caracteriza a prosa é uma escrita contínua, em que o texto se estrutura tendo como base suas unidades sintáticas e as relações de significado estabelecidas entre elas, ou seja: é um texto que se divide em períodos sintáticos reunidos em parágrafos (é o caso deste que o leitor tem agora diante dos olhos); aqui, o fator sintático e o semântico são o principal critério de organização textual. Já na poesia, o critério é o ritmo: cada verso é uma unidade rítmica que procura construir certa regularidade na elocução, agrupando-se em estrofes. A própria etimologia da palavra aponta para essa regularidade: do latim versus, o termo deriva do verbo vertere, que significa girar, voltar, retornar, sugerindo que, terminada leitura a leitura de um verso, é preciso tornar ao começo do seguinte, em que o padrão rítmico do anterior se repetirá. Segundo Alfredo Bosi, em O ser e o tempo da poesia: “Verso quer dizer caminho de volta dentro de um conjunto verbal em que o ir e o vir demoram o mesmo tempo”.
Octavio Paz, em O arco e a lira, defende que o ritmo é inerente à linguagem verbal, sobretudo em sua variante oral. Nas formas mais primitivas de comunicação verbal, o componente rítmico deveria sobrepor-se ao semântico como principal recurso expressivo. Apenas com a progressiva intelectualização do discurso, por meio da ampla disseminação da escrita, o aspecto semântico passaria a predominar sobre o rítmico. Contudo, na poesia, por conta do verso, o primado do ritmo sobre o significado permanece. Nas palavras de Paz: “(…) o ritmo se dá espontaneamente em toda forma verbal, mas só no poema se manifesta plenamente. Sem ritmo, não há poema; só com ritmo, não há prosa. O ritmo é condição do poema, ao passo que para a prosa ele não é essencial”.
Ritmo pressupõe uma dinâmica entre repetição e mudança de sons. Na escrita, ele é obtido por meio da alternância regular de fonemas e pausas, de sílabas tônicas e átonas ou de sílabas longas e breves (que é o caso da poesia antiga, por exemplo). No próximo texto, veremos as possibilidades rítmicas do verso.