por Clara Baccarin
Ela tem um sorriso que faz florescer toda a sala, e logo de primeira vista vemos poesia nela. Ela é Rita Gullo, mais do que filha de peixe (do escritor Ignácio de Loyola Brandão), é um peixe de sua própria espécie e encantos.
Cantora e atriz, diz que sua poesia se expressa, antes de tudo, pela música, pela melodia, pela palavra cantada, que é uma forma mais social de revelar a alma. A palavra escrita é mais íntima. A música, a melodia, pode acessar as pessoas de outras maneiras, diretamente pelo sentido, ou pelo sem sentido. A palavra, a letra, não necessariamente é o que desperta as pessoas numa música. A melodia é a poesia universal.
Atuando, cantando, interpretando, a poesia toma o corpo todo, o artista vira instrumento dessa conexão poética e assim, atinge (ou não) outras almas. O efeito que este tornar-se instrumento poético causa é um estado de comunhão.
Onde a vibração no corpo faz a transformação.Um estado onde o tempo para. Quase não precisamos de ar.
Segundo Rita, o poder da poesia é esse – você pode ler 50 vezes o mesmo poema e todas as vezes pode ser tocada por ele.
É atemporal, é a linguagem do sensível e não do racional.
Poesia é lugar da vida, é a possibilidade de transformação. O não óbvio que resignifica tudo.
Rita diz que percebe no mundo, nas pessoas, uma dificuldade de entrarem nesse estado e comunhão poética pois somos seres poluídos por excessos, por palavras com pouco sentido, vazias, por comunicação pouco profunda, sem expressão:
O mundo anda carregado. As pessoas têm dificuldade de ser acessadas, se protegem, falam muito e escutam pouco. A comunicação é falha, somos massacrados por coisas com pouco sentido. Talvez hoje o silêncio seja uma das coisas mais importantes.
É com essa paixão pela música, pela poesia, que Rita Gullo está em cartaz com o show ‘Solidão no fundo da agulha’ que é uma viagem pelas memórias do escritor Ignácio de Loyola Brandão. O autor vem ao palco contar histórias marcadas por músicas que ganham interpretação da filha.
Ao final da entrevista, a cantora declama uma prosa poética de Carla Kinzo, que coloca todos nós em estado de comunhão e encantamento. Acho que todos sentimos o que ela quis dizer com a frase:
A palavra poética tem fim, mas proporciona um estado sem fim.